Não é novidade que os cidadãos da Coreia do Norte vivem sob um regime ditatorial altamente controlador , mas uma investigação da BBC mostrou até que ponto vai a vigilância digital no país. Tudo começou com um celular contrabandeado obtido pela Daily NK , uma agência com sede em Seul, capital da Coreia do Sul.
O dispositivo revelou um nível de censura e monitoramento extremo , semelhante ao descrito no clássico distópico 1984 , de George Orwell.
Palavras proibidas são corrigidas automaticamente
Um dos exemplos mais chocantes foi a forma como o teclado do celular bloqueia termos considerados “inadequados” pelo governo :
- Ao digitar “oppa” — palavra usada na Coreia do Sul para se referir afetuosamente a um namorado ou homem mais velho —, o sistema corrige automaticamente para “camarada” , reforçando o discurso comunista.
- O aparelho também exibe um aviso caso o usuário tente usar expressões como “oppa” fora do contexto aprovado: ele informa que o termo só pode ser usado para se referir a irmãos mais velhos .
Além disso:
- Digitar “Coreia do Sul” faz com que o sistema substitua por “estado fantoche”
- Qualquer uso de gírias ou referências culturais sul-coreanas é imediatamente bloqueado ou alterado
Vigilância constante através de capturas de tela
O celular norte-coreano não apenas corrige palavras em tempo real — ele também realiza capturas de tela a cada cinco minutos , gravando tudo o que o usuário faz. Essas imagens são armazenadas em pastas ocultas , inacessíveis aos próprios usuários, mas disponíveis às autoridades.
Em 2021, um homem foi condenado à morte por contrabandear uma série de TV para dentro do país, mostrando o quanto o acesso à informação é tratado como crime.
Controle estende-se à linguagem e sotaque
Kang Gyuri, uma ex-cidadã norte-coreana que fugiu em 2023, confirmou que o monitoramento não se limita aos celulares. Segundo ela, esquadrões governamentais fiscalizam regularmente dispositivos em busca de conteúdo ilegal ou palavras proibidas .
Ainda segundo Kang, o líder Kim Jong-un tornou crime o uso de termos ou sotaques da Coreia do Sul , reforçando a ideologia isolacionista do regime.
Ela conta como isso impactou sua visão de mundo:
“Eu costumava pensar que era normal que o estado nos restringisse tanto. Eu pensei que outros países viviam com esse controle. Mas então percebi que era apenas na Coreia do Norte. Eu me senti tão sufocada e, de repente, tive vontade de sair.”
Contrabando cultural cresce mesmo com riscos
Apesar do rígido controle, muitos norte-coreanos têm conseguido acesso a cultura estrangeira graças ao contrabando de pen-drives e cartões microSD com K-dramas, músicas K-pop e filmes. Esse movimento é financiado, em parte, pelos Estados Unidos , mas cortes recentes em programas de apoio podem prejudicar esses esforços.
Segundo o The New York Post , milhares de arquivos culturais entram clandestinamente na Coreia do Norte todos os meses — e cada vez mais pessoas estão questionando o sistema ao ver como outras formas de vida são possíveis.